argila

Argila somente.

Argila, quando já tudo era a argila É.

Um “ser”, como cada um de nós, que não se repete, cada argila é única.

Provavelmente esta é a palavra mais local e global do nosso léxico. Local porque não há lugarejo que não tenha argila e global porque é o material mais comum, e mais rico, do planeta. Na verdade a argila, o simples barro, é o material mais precioso da Terra.

Os agricultores, sobretudo os da vinha, falam em terroir, os arquitectos em genius loci, qualquer homem se falar na argila como a mais autêntica alma do lugar não erra.

É mineral e rocha, primária e secundária. Quando tudo já se foi RESTA a argila – porque não, um resíduo? A mais das vezes (quando não é primária, este termo quer dizer que teve génese própria, não como resultado da alteração de outra rocha) a argila é, em boa verdade,  um resíduo.

Mineral de argila, um corpo natural cristalino formado em resultado da interação de processos físico-químicos em ambientes geológicos superficiais. Cada mineral é classificado e denominado não apenas com base na sua composição química, mas também na estrutura cristalina dos materiais que o compõem, neste caso, a argila pertence à família dos filossilicatos, a mesma família que acolhe a conhecida mica tão presente nos granitos da nossa terra.

Rocha (argila), material de natureza geológica formado por um ou vários minerais.

Argila primária, neo-formação, génese a partir processos geológicos que formam “diretamente” o mineral argila.

Argila secundária, resulta sempre da alteração (processo geológico físico-químico) de materiais geológicos pré-existentes, inclusivamente a partir de uma argila. Argila pode formar argila.

No fim, quando já tudo se alterou numa rocha o que resta? O que fica? A argila, pois bem!

O que é o envelhecimento humano senão uma alteração, química e física? Provavelmente uma carcaça humana velha, mesmo antes de regressar à terra, é qualquer coisa muito parecida com a argila.

A história do homem confunde-se com a argila. Somos terra, por isso somos argila.

Um dia, nos bancos da faculdade, ouvi um ilustre professor dizer que “a argila é o termo geológico mais complexo. Pobre país este que não conhece as suas argilas”. Desde esse dia fiquei a saber porque somos pobres, um país pobre rico em argila.

(Parede, 2017)

e se estes tijolos contassem a sua história? A do tempo geológico e a do tempo do Homem.

a geologia condiciona a vida

A“geologia condiciona a vida”, escrito por um geólogo, cheira a exagero. Não é. Portugal é um país onde, pela contingência geológica, ao longo da história da Terra, esta verdade nos entra pela porta. A farta biodiversidade que, apesar de tudo (fogo, alteração climática, deplorável ordenamento do território …), é disto uma evidência. E na cultura é igual. O alentejano de Beja é diferente do homem de Portalegre. Com alguma atenção a margem esquerda (Serpa e Moura) é marcadamente diferente do resto do Baixo Alentejo, é outra gente e são outras açordas; a falha da Vidigueira (em alentejano lê-se Vdiguêraa) assim o impõe.

Lemos a história da Terra nas rochas e no que elas nos contam, as rochas são páginas do complexo livro, o planeta Terra, que hoje conhecemos. Tempos incomensuráveis (milhões de anos) e forças inimagináveis ditam esta escrita. A maré baixa na praia da Parede (Cascais) é uma página fantástica da história da Terra. Filões básicos, do tempo em que havia vulcanismo ativo em Lisboa, cortam as lajes subhorizontais de calcário – autênticos muros que entram pelo mar. Este apresenta magníficos xenólitos e um rejeito horizontal de mais de 2 metros.

O que é um xenólito?

Na licenciatura em Geologia na U de Évora, ensinamos a “causa das cousas” para melhor compreensão da Terra.

No Tejo a pé todos os meses fazemos uma caminhada/passeio onde, muitas vezes, partilhamos estes e outros saberes (neste blogue no tópico – “emoções com botas” há alguma informação).

um pormenor do filão – uma massa vulcânica viscosa, que aproveita as fraturas das rochas pré-existentes para ascender na Crosta. Dá-se então um fenómeno a que chamamos assimilação, onde alguns pedaços do encaixante não chegam a fundir (xenólitos) e são hoje uns elementos contrastantes no dito filão.
na fotografia geral vê-se, com grande evidência e contraste, o filão a cortar a rocha pré-existente. O pormenor da primeira fotografia está aqui em primeiro plano; na posição oposta, mais afastado, quando o mar “interrompe” o filão, vê-se este nitidamente deslocado para a direita, trata-se do rejeito referido. Na maré baixa, num pequeno passeio até à praia das Avencas, “encalhamos” em muitas ocorrências desta natureza e em muitas outras geodiversas.

geologia

contingência geológica

    imprevisível

       raro

          significativo

Ex: extinção dos dinossauros

      atual foz do rio Tejo

tempo geológico

    incomensurável

força geológica

     inimaginável

geologia

forças inimagináveis que operam ao longo de tempos incomensuráveis.

(ninguém sabe o que é um milhão de anos e é impossível experimentar o tipo de forças envolvidas)

método geológico

trocar tempo por espaço

princípio das causas atuais                                                                                             

paradoxo geológico

só é possível compreender a Terra/geologia (deriva continental, glaciações, evolução das espécies…) com o “tempo geológico” (milhões de anos), ninguém sabe o que é um milhão de anos.

Ex: há cerca de 10 milhões de anos o rio Tejo desaguava onde é hoje a lagoa de Albufeira. A Terra tem aproximadamente 4,5 mil milhões de anos, se condensarmos este tempo em 24 horas, 10 milhões é um estalinho de dedos e o Tejo desagua no estreito (“gargalo”) que hoje conhecemos.

outra vez as minas (Público)

…embora todos tenhamos o direito e o dever de dizer não (ou sim), não é às comunidades nem às câmaras municipais que compete inviabilizar um projecto de revelação ou aproveitamento de recursos minerais. Sempre que falamos de bens de domínio público, conforme a Constituição Portuguesa estabelece, o suporte à decisão política cabe às entidades licenciadoras com proficiência e experiência reconhecidas nestas matérias, as quais terão seguramente em conta no seu parecer a opinião das populações, desde que devidamente sustentada. É assim num Estado de Direito, como Portugal.

artigo completo no Público a 23 de dez. 2020:

https://www.publico.pt/2020/12/23/opiniao/noticia/acesso-recursos-minerais-direito-dizer-nao-1943708

minas para quê?

sim, sim, um país carregado de hipocrisia mas “livre” de petróleo e de minerais/metais.
vamos acabar com os pacemaker, certo?
se os metais vierem de longe não tem problema?
com o petróleo idem.
ainda acreditamos nos estudos de impacte ambiental?

https://www.dropbox.com/s/q8li2ohnu8dm6h6/avalia%C3%A7%C3%A3o%20ambiental%20-%20Expresso%20-%2022%20dez%2018%20-%20carlos%20cupeto-pages-35.pdf?dl=0


grande aposta nacional esta de pobres mas honrados, perdão, patetas e vigaristas.

sismo de 1969

E se fosse hoje? Esta é a pergunta. Portugal é um país, naturalmente, perigoso e cada vez mais o será. O país é perigoso devido à sua localização geográfica (incluindo uma coisa que se chama geodinâmica interna; neste caso a perigosidade vem-nos da “localização tectónica”), à sua geodiversidade, ao seu clima e à sua exposição atlântica. Com este contexto, a probabilidade de acontecerem fenómenos naturais perigosos é elevada.

Na Conversas de Cesta, Luís Lopes, professor na Universidade de Évora vai conduzir a conversa à volta deste importante assunto.

Domingo, dia 26, 18:00, no Junqueiro (Parede/Carcavelos).

Sinta-se convidado e convide.

toussinho

todo o país o conhece e muitos tivemos  o privilégio de com ele aprender, é o Professor, grande mestre, Galopim de Carvalho, o “divulgador de saber”.

nos finais dos anos 70, depois da Politécnica arder, cheguei à Faculdade de Ciências num clima de grande agitação social e politica. Para um eborense tímido a coisa não foi fácil e deu em chumbo no 1º ano, disfarçado com a reestruturação do curso; uma verdadeira Bolonha em setenta, imaginem. Julgo que muito graças à visão de outro grande geólogo, Carlos Romariz, que já por cá não anda.

quando o Prof. Galopim me apareceu pela frente foi uma lufada de ar fresco, mais concretamente de afectividade e carinho, muito para além da geologia. Ouvi na 24 de julho, onde tínhamos aulas devido ao fogo, a minha língua materna, alentejano, de Évora onde o Professor nasceu. Pela primeira vez um professor dizia qualquer coisa que na sala só eu compreendia. Lembro-me, como se fosse ontem, o professor falou numa venda (taberna com mercearia), onde, em trabalho de campo, tinha almoçado.

ontem em Évora, na apresentação do seu mais recente livro (açordas, migas e conversas), com muitas histórias, o professor partilhou, como sempre, muito saber.

Isabel (revisora oficial): olha que toussinho é com c.

Galopim: leste chouriço? Não, então está bem.

esta é enormidade de Galopim de Carvalho, Isabel é a sua mulher.

nesta agitação permanente, de há muitos anos, em que vive o ensino, essencialmente para cumprir estatísticas, o Professor escreve, “o professor tem de ter arte (por vocação própria ou porque para tal foi formado) de levar os educandos a «a aprenderem a gostar de saber» … compete em grande parte, ao professor, conduzir o aluno nesses três sentidos; “aprender a gostar de saber”, o “dever cívico de estudar”e a “autoestima”. Oh Professor, tão longe que temos andado disto.

porque inteiramente merecida, uma referência ao Sr. Ludgero,  deveriam haver mais homens destes. Quando passar por Évora,  Moinho do Cú Torto, e nunca mais vai esquecer o seu almoço ou jantar.

bem haja Professor.

nota: aqui ao lado, na Azaruja, onde fiz a escola primária, tenho quase a certeza que tóicinho  é a forma correcta para dizer toucinho.

 

ilha do Pico

Quem tiver dúvidas que território é, antes de tudo, geologia, vá ao Pico. A verdade maior é que somos a terra onde nascemos e vivemos. Os picarotos, os naturais da ilha do Pico, são, provavelmente, pela força das circunstâncias, o melhor exemplo português desta realidade: uma existência entre o partir e ficar, a terra e o mar. Agricultores e pescadores. Homens que fizeram o milagre de tornar a rocha, sem água, terra habitável. Entre uma agricultura de resistência, onde só heróis como estes são capazes, e plantas rústicas, como a videira e a figueira, se aguentam. No principio nem um palmo de terra, esta, muito valiosa, foi “importada” em pequenas caixas do Faial. Assim nasceu a mais fantástica construção em pedra da humanidade – os currais do excelente vinho do Pico. Depois, a filoxera atirou os picarotos para a miséria, empurrou-os para o mar e tornou-os baleeiros; a ancestral arte da pesca, que põe frente a frente um animal de 50 toneladas e meia dúzia de homens numa embarcação a remos, munidos de arpões lançados à mão.

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àgua como fogo

Às vezes, a curiosidade é maior que o bom senso e cometemos “loucuras”. Assim foi no feriado de 15, em que rumei a Cáceres pelo Tejo, onde a Confraria Ibérica do Tejo (CIT) organizou um seminário. Mais um a juntar a dezenas de outros que deste há muito vão acontecendo. Como cristão, interrogo-me se terá sido pecado dedicar um feriado santo a ir a Cáceres. Na verdade, os rios merecem isto e muito mais e, no fim, valeu a pena ir a Cáceres. A nova CIT pode ser uma boa oportunidade para cuidar do Tejo, mas aquilo que presenciei em Cáceres deixa-me muitas dúvidas: mais do mesmo, isto é, gastar dinheiro que contribui para a nossa pobreza. Bom, o certo é que em Cáceres o Tejo estava bem representado, o que infelizmente só por si não chega. Do mais curioso que se passou em Cáceres foi, na primeira mesa redonda do dia, ficar evidente que cada um dos presentes tinha uma ideia diferente do que se estava ali a passar. O ponto alto do ridículo aconteceu quando a representante do Governo português, Helena Freitas – mulher com peso, porque coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior – se viu obrigada a intervir e a dizer aos organizadores o que estavam ali fazer.

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argila

Argila somente.

Argila, quando já tudo era a argila É.

Um “ser”, como cada um de nós, que não se repete, cada argila é única.

Provavelmente esta é a palavra mais local e global do nosso léxico.

Local porque não há lugarejo que não tenha argila e global porque é o material mais comum, e mais rico, do planeta. Na verdade a argila, o simples barro, é o material mais precioso da Terra.

Global porque é um dos materiais naturais mais comuns, e mais rico, do planeta. Na verdade a argila, o simples barro, é um dos materiais mais preciosos da Terra.

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Adaptado de Esquire, de Matthew Buchanan