O que vou contar parece inverosímil face às mudanças sociais, culturais, económicas, tecnológicas e políticas que entretanto se verificaram e continuam a verificar. É bom recordar para atentar bem de onde viemos e para onde vamos. Tinha este cronista 12 anos e nunca havia saboreado morangos nem sequer sabia o que eram dióspiros, kiwis, ananases, abacates, anonas e outras espécies que agora são comuns nos supermercados em todas as épocas do ano. No inverno tinha algumas laranjas e tangerinas que caíam no chão porque as colhidas na árvore eram muito caras. Bananas, só quando alguém ia à cidade. Na primavera já se colhiam peras, damascos e ameixas. Também havia maçãs riscadinhas que os palmelões vinham vender porta-a-porta. No verão e no princípio do outono é que tínhamos fartura de figos e uvas. Ora um belo dia primaveril, lembro-me como se fosse hoje, vi na montra da Frutaria Polar um morango vermelho, carnudo, atraente, fotogénico, provocante. Custava dez tostões. Uma fortuna, naquela altura! Guloso, como sempre fui, nesse dia não resisti. Sacrifiquei parte da quantia que tinha para o almoço e comprei o tal morango. Confesso que fiquei desiludido. Tinha-o imaginado muito doce e saiu um fruto meio ácido que, num ápice, desapareceu na minha ávida goela.
Era assim a vida! Nas terras arenosas e galegas onde vivia, ainda não se dominava o regadio e a cultura dos morangos não era conhecida. Os pobres consideravam os morangos como algo de sofisticado e coisa de gente fina. Bem sei, que esta prosa pode ser esquisita à luz das realidades atuais, mas tenham paciência! Apeteceu-me iniciar desta forma a croniqueta sobre o morangueiro.
Entre a extensa e variada literatura que existe sobre os morangos, escolhi o Caderno Naturista da coleção “Alimentos que Curam”, dirigido por Nicolas Capo do Instituto de Trofoterapia de Barcelona, publicado em 1971, na sua 2ª edição. Logo na capa do pequeno caderno escreve o ilustre Professor: O morango é muito medicinal e rico em vitaminas. Convém aos doentes do fígado, rins, estômago, da prisão de ventre, reumatismo, gota, anemia, doenças dos ovários, etc. É um manjar dos deuses, morangos com mel e natas; embeleza o rosto e a pele e é um elixir de juventude.
Parece estar tudo dito para que os morangos sejam mimados. Vamos, no entanto, aduzir mais alguns ensinamentos.
Acontece que a Fragaria vesca, espécie silvestre euroasiática é uma herbácea perenifólia e estolonífera (com rizomas) da família das Rosaceae. Tem folhas tripartidas, com margens dentadas, levemente pilosas na parte de baixo. As flores hermafroditas, com cinco pétalas obovadas, são brancas e, por vezes, rosadas. A polinização é feita por insetos, principalmente por abelhas e o período de floração é longo. Dizem os especialistas que o morango é tecnicamente um pseudofruto já que provém de um recetáculo floral desenvolvido que apresenta pequenos pontos verdes ou pretos e que são esses os verdadeiros frutos. A multiplicação da planta faz-se essencialmente através de estalões (guias) enraizados.
A tal Fragaria vesca com frutos muito pequenos, após sucessivas manipulações e cruzamentos genéticos originou as espécies híbridas que encontramos nos mercados. Há hoje mais de 20 espécies com ampla distribuição em zonas temperadas e subtropicais. Julga-se que a Fragaria x ananassa é a que gera morangos maiores e mais carnudos que não são necessariamente os melhores, mas como os olhos comem primeiro…
Os morangos contêm vitaminas B5, B6 e C, betacaroteno, fósforo, potássio, cálcio, ferro, selénio, magnésio, ácido fólico, cítrico e málico, pectinas, fibras, hidratos de carbono, antioxidantes…
Entre as propriedades medicinais, para além das já mencionadas, refere-se que são estimulantes do apetite, diuréticos, antirreumáticos, alcalinizantes, auxiliares da circulação sanguínea, fortalecedores dos ossos, redutores dos problemas cardiovasculares, têm ação anticancerígena, etc. A infusão das folhas alivia inflamações e catarros respiratórios e em gargarejos afasta o mau hálito. O “chá” das raízes é bom para debelar problemas da boca e da garganta. Os morangos amassados fornecem ótimas cataplasmas para curar chagas, feridas e queimaduras. Em banhos de imersão são calmantes. Entram também na elaboração de cremes para a cútis, reduzindo manchas e sardas.
Na culinária, especialmente na doçaria, os morangos são altamente versáteis. O professor Capo elenca no seu caderno algumas dezenas de receitas naturistas, recomendando que não convém comer morangos como sobremesa e não se devem misturar com hortaliças, saladas, gorduras, fritos, vinagre e bebidas alcoólicas.
Acrescente-se que as folhas tenras do morangueiro são comestíveis.
A terminar, uma precaução muito importante: sendo o morangueiro uma planta rasteira sempre em contacto com o solo, os seus frágeis frutos podem contaminar-se facilmente. Deste modo, convém ter muita atenção acerca da sua proveniência e preferir sempre os que são de cultura biológica.