Assim, sem tir-te nem guar-te!…

A expressão «sem tir-te nem guar-te» visitou-me hoje. Meia hora depois, alguém…

Isto vem a propósito de um encargo que de repente, sem aviso… me foi cometido. É uma frase feita da nossa língua, mais ou menos comum, pelo menos em uso literário… Tir(a)-te, desvia-te, guar(da)-te!…

Há maneiras de falar e palavras mais próprias de certas zonas do país. A mesma coisa pode ter nomes ou qualidades diferentes. Fui-me lembrando do que ouvi ao Prof. Carlos Cupeto em recente passeio-caminhada pelas arribas do Alcabrichel (Porto Novo – convento velho de Penafirme – arribas – vale – Porto Novo). Falou da influência do território, do chão, sobre a vida e cultura dos que nele vivem e pisam. Deu o exemplo das cantigas de Borba, Vila Viçosa e outras terras alentejanas. Não são o chamado cante alentejano. São muito características e formam, por assim dizer, uma zona demarcada.

Lembrei logo o que diz Fernão Lopes no prólogo da Crónica de Dom João I; que a afeição mundanal dos que «tiveram carrego de ordenar histórias» dos senhores «em cuja mercê e terra viviam» os levava a encarecer os feitos bons, mas a tratar mais miudamente os menos bons ou maus…; a «mundanal afeição» significa parcialidade. Além do longo costume e tempo, a conformidade entre o entendimento e a terra tem outra causa, «que é a fome, recebendo refeição para o corpo, o sangue e o espírito gerados de tais viandas têm uma tal semelhança entre si que causa esta conformidade».

Cupeto falou, se bem me lembro, da qualidade de vinhas e das saias, que conheci por ter vivido vários anos em Estremoz.

Curiosamente, tive há dias um presente de amigo recente, alentejano de Santa Eulália, perto de Campo Maior. Sabedor, de conversa, parceiro de excursão da AUTITV, do interesse por estas coisas, ofereceu-me uma colecção de saias, que guardo, juntamente com recolhas de décimas e outros versos trazidos da minha experiência estremocense. Aqui ficam algumas saias…

O Senhor da Piedade /Tem vinte e quatro janelas / Quem me dera ser pombinha /Para pousar numa delas / Quem me dera ser pombinha / Para pousar numa delas / O Senhor da Piedade / Tem vinte e Quatro janelas

Eu não sou como a figueira / Que dá fruto sem flor / Não olhes para mim, não olhes / Eu não sou o teu amor / Não olhes para mim, não olhes / Eu não sou o teu amor / Eu não sou como a figueira / Que dá fruto sem flor

Trago dentro do meu peito / Ao lado do coração / Duas palavras que dizem / Amar-te, sim, deixar-te, não / Duas palavras que dizem / Amar-te, sim, deixar-te, não / Trago dentro do meu peito / Ao lado do coração.

Ferreira Patrício

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Adaptado de Esquire, de Matthew Buchanan