Nos nossos campos é agora o tempo da vindima. O fim, ou início, de um ano trabalho; como alguém disse um dia “um ano inteiro à espera dela e um mês à espera que ela acabe”, tal não é a intensidade de trabalho da colheita e trabalho da uva na adega.
Vem isto a propósito de um recente artigo onde li “se as vinhas dessem dinheiro não havia tanto terreno abandonado”. Parece que há algo contraditório. Tudo o resto me diz o contrário. Mais, tenho a convicção que o vinho é um dos setores em que o nosso país se pode orgulhar e seguir o exemplo: empresariou-se e modernizou-se. Mas não, ambas as visões são bem verdadeiras. Por um lado há um país, autêntico, rural, próximo, que tende a desaparecer, sem escala competitiva num modelo global, e por outro, há o sector do vinho bem organizado e estruturado. O país próximo que alguns ainda vivem é bem expresso no texto do O Mirante, onde se lê “pela generosidade do Ribatejo mesmo nos dias mais tristes”. Abençoados homens e mulheres que cuidam da vinha para os 200 litros de vinho que garantem o consumo doméstico para o ano, “porque bebo pouco”.
Também eu este ano agarrei a oportunidade de viver a vindima. Numa noite entre o verão e o outono juntei-me à equipa e amigos do Victor e vivi a vindima dos exclusivos vinhos biológicos Dona Dorinda. Ao viver a vindima por dentro é difícil ficar indiferente, se até aqui apreciava um bom copo vinho, doravante mais o aprecio como o sangue da terra e mais verdadeira das expressões culturais que somos. Depois da programada vindima noturna convida a escrever sobre o tema com mais verdade. Desde logo a escolha do período noturno é bastante significativa, é importante em termos de produto final, para além do trabalho ser mais fácil o evitar o calor melhora em muito o estado em que a uva chega à adega e, consequente, uns meses mais tarde a qualidade do que temos no copo. Na verdade é uma experiência que aconselho a todos que a possam ter. Até porque em matéria de vinho e tudo à volta, em quase todos o parâmetros e indicadores, em termos relativos, Portugal é o número um mundial; a excelência, um orgulho e o exemplo que devemos seguir em quase tudo resto.
A experiência de sete horas de vindima noturna, pelo convívio próximo com trabalhadores rurais, mostrou-me uma realidade que às vezes julgo não existir. Confesso que muitas vezes fugi para videiras longe do bulício da conversa e da música que, julgo, procurava animar e marcar o ritmo; o silêncio do cacho de uvas e a viagem que ali se inicia até a adega e depois até ao copo do consumidor, sabe-se lá onde, era muito mais interessante do que a habitual lamúria. Na verdade senti, ou imaginei, a magia desde a uva, que sintetiza todo o terroir do lugar, até à química da adega para finalmente na garrafa ganhar a sua verdadeira dimensão.
No fim, apesar do corpo bem esmagado, como as uvas na adega, penso seriamente no próximo ano em aprofundar a experiência. Aceitam-se convites.