No meu, sempre que possível, circuito diário de corrida há alguns bebedouros. Regozijei-me quando recentemente dois funcionários autárquicos se encontravam a consertar num deles o entupimento do ralo que durante meses ou anos provocou a inundação do passeio. Como o local coincide com a inversão de sentido, o obrigatório abrandamento serviu para enaltecer a intervenção e para alertar para o baixo caudal do repuxo que compromete a função do referido ponto de água. Foi o suficiente para, em segundos, se manifestar ao vivo a característica nacional de dificultar o que é fácil e de procurar os problemas em vez da solução: “isso é outra coisa e agora não vai dar para arranjar porque…”. Desde já uma pergunta se impõe: quanto custa esta atitude a todos nós?
[este texto ilustra o verdadeiro “à beira mar plantados”]
Esta é uma realidade comum e transversal. No geral apressamo-nos a encontrar todas as razões que possam justificar a não resolução e a desculpabilização do ator. Somos especialistas em encontrar dificuldades; vamos diretos ao problema e pouco nos importa a solução. Vivemos neste drama de complicar em vez de facilitar. Aquelas duas criaturas fizeram o favor de não cumprir o seu dever; na melhor das hipóteses, a coisa ficou só parcialmente resolvida e, não se sabe daqui a quanto tempo, estes ou outros funcionários ali voltarão para fazer um outro óbvio e simples concerto – provavelmente, tão só abrir mais uma torneira…
O custo desta atitude é absurdamente elevado e manifesta-se nos diferentes níveis da sociedade portuguesa. É tão verdade e geral que quando temos diante de nós alguém que se mostra disponível para ser eficaz e fazer o que deve – encontrar a solução mais simples – ficamos admirados.
É por estas pequenas e grandes coisas que, às vezes, é difícil viver em Portugal. É por causa desta ineficácia latente, cultural, assumida e aceite, que não há recursos que cheguem, seja qual for o sector. Mudar isto leva anos e necessita de um assumido investimento em cultura.
Se juntarmos a isto outros “pequenos” pormenores característicos da alma lusa, facilmente se compreende que os custos da nossa ineficiência e improdutividade são enormes. Mais uma vez, como na água, nos alimentos, na energia, etc., a palavra desperdício assenta aqui muito bem. Por isso, quando se fala em reforma da Administração devíamos atuar, antes de tudo, nesta absurda atitude das “dificuldades justificativas” para não fazer. Sem mais custos, mas antes com grande economia, tudo ficaria melhor.
Circunstâncias várias levaram a que só voltasse ao local alguns dias depois e o espanto foi total. O bebedouro foi pura e simplesmente retirado. Na verdade este Portugal não tem limites e há sempre algo que ultrapassa o mais improvável dos cenários. Falta saber se é uma solução definitiva ou, sendo provisória, quanto tempo vai levar até o bebedouro regressar onde deve estar?
Ou será que haverá ainda mais alguma surpresa?