desfado na A5
[Desfado, música e letra de Pedro da Silva Martins, cantado por Ana Moura]
Ai que saudade
Que eu tenho de ter saudade
Há uns meses na A5, a caminho da minha antiga vida, na Antena 1, a rádio da manhã para saber das filas de trânsito, ouvi pela primeira vez o Desfado cantado por Ana Moura.
Quanto mais ouço mais gosto.
Ouvir e ver ainda é melhor (http://www.youtube.com/watch?v=GKCJgDCA5Bo).
A letra é fantástica, parece um universo de contradições.
A música é linda e Ana Moura, com uma pincelada de gótico, é arrebatadora. A alegria de cantar o fado com um sorriso contagiante, uma franja de se lhe tirar o chapéu, o pormenor das unhas negras, a graciosidade, quase inocente dos gestos e passos, e, os quatro ou cinco palmos de cara fazem o resto; talento e competência.
Tudo perfeito, até o trânsito na A5 parecia fluir melhor.
E que melhor mensagem para começar, quer o destino que eu não creia no destino. Ao volante, no repetitivo movimento pendular da manhã e do final do dia, quem acredita no destino?
O melhor é não ter ilusões e saber que um dia tudo muda e o que era já não é, e o meu fado é nem ter fado nenhum. Prosseguir sim, em cada momento como um todo, mas não ter sentido algum.
E no meio de tudo isto, entre a tristeza e a alegria, em que ficamos? Depende de haver mais ou menos filas de trânsito? De mais ou menos Sol? O melhor mesmo é esperar que um dia eu não espere mais um dia por aquele que nunca vem…
E não vem porque Está.
O melhor mesmo é seguir em frente, na A5 ou noutra qualquer estrada, porque para lá da curva, mesmo que seja por detrás de nuvens negras, há sempre o Sol a brilhar. E, entretanto, enquanto os quilómetros e os minutos passam, talvez ouvisse no silêncio que fizesse uma voz que fosse a minha a cantar alguém cá dentro.
Como Ana Moura escreveu, um disco especial, isto é, um fado.
Carlos A Cupeto, 31 de março 2013