seca

O verão do início de abril, coincidente com a Páscoa, trouxe alegria ao Portugal turístico, encheu as praias e os restaurantes de estrangeiros a saborear a “boa cozinha portuguesa” com Coca-Cola. Todavia, por esse país fora ainda vai subsistindo um Portugal que chora e sofre com este verão de abril. O Portugal verdadeiro, sobretudo o Portugal húmido (a norte do Tejo), está seco. Os riachos secaram, os musgos estão amarelos e não há erva para os animais. O Tejo também já o mostra, seja pelo caudal, seja pela má qualidade, aparente, da água; e estamos só em abril. Dois mundos de costas voltadas, entre o bom tempo imaginário e o mau tempo verdadeiro. Dois mundos que raramente se tocam.

Um que enche Lisboa, o Porto e pouco mais território de turistas que já saturam quem lá vive, e outro que torna a vida bem mais difícil e cara a quem trabalha e vive no país rural. É isto conciliável?

Provavelmente, todas as respostas são possíveis e verdadeiras – esta é também uma das magias dos nossos dias, pois tudo, ou quase, é “verdadeiro”, virtual. A imensa população urbana do litoral compreende que o campo está seco e necessita de chuva? Os restaurantes da Costa da Caparica ou de Carcavelos compreendem o desespero de quem vive no Caramulo ou na Gardunha?

Caminhar nestas serras do Portugal húmido, saber que estamos no início de abril, é sentir uma enorme falta de vida como resultado da falta de água.

No atual modo de vida, muito dificilmente estes dois mundos se vão conciliar e compreender; salvaguardando as devidas escalas, é quase o mesmo que conciliar o local com o global. Um vivendo no presente, no dia a dia onde os recursos, água, solo e pessoas contam e outro projetado na especulação do futuro, onde o que conta, mesmo que esteja mal, é o imediato, porque “depois logo se vê”. Onde é que isto se toca? Toca-se num futuro cada vez mais presente, em que a Terra nos vai bater à porta com uma pesada fatura. A fatura da falta de recursos fundamentais como alimentos, água e ar, e problemas de saúde graves, entre outros.

Tudo isto resulta da crise de valores que se instalou praticamente em todos os níveis, em particular no modelo de sociedade ocidental. O Homem cada vez mais se encontra mais só enfrentando a sua envolvente. Vivemos na ilusão de que a tecnologia tudo pode, indiferentes à natureza e cada vez mais afastados dos problemas dos demais. Muitos de nós sentem a falta de um modelo suficientemente flexível e pluralista que harmonize as necessidades de todos em integração com a Terra e os seus ciclos.

É por tudo isto, e muito mais, que quem tem um hectare de terra com um poço com água potável deve valorizar essa inestimável riqueza.

Seja como for, a atual seca na Califórnia (Estados Unidos) ou em S. Paulo (Brasil) é sempre muito pior, mas essa fatura também nos toca.

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Adaptado de Esquire, de Matthew Buchanan