reconstruir a estrada de Borba

Óbvio e incontornável.

Não havia como não andar por aquela estrada (Ricardo Costa, Expresso, 20/11/2018). Pura verdade.

Pensámos durante dias a, aparente, estapafúrdia ideia: reconstruir a icónica estrada nº 255 que liga Borba a Vila Viçosa. Sim, não é lapso, esta é uma estrada icónica. Durante a nossa reflexão não conseguimos identificar um, um só, argumento contra a reconstrução. Tudo aponta para que a estrada seja reconstruída e reabilitada; nada nos diz o contrário. Nem a desgraça que ocorreu. Reconstruir a estrada é a melhor homenagem que se pode prestar às vítimas. Deixar ali aquela ferida, eventualmente um dia cicatriz, é o pior. Permitam uma questão: qual a estrada que não tem na sua história vítimas mortais. Todos os acidentes são estúpidos e evitáveis; o acidente da estrada 255, não é diferente. Todos os acidentes são muito graves quando envolvem vítimas mortais.

A estrada de Borba é uma estrada natural, como quase todas, mas esta é especial. O traçado é ainda o de pé posto, que há milhares de anos os povos que nos antecederam escolheram. Provavelmente, já os Romanos que andaram por esta abençoada terra, com água, bom solo e uma magnífica pedra branca, terão utilizado este traçado; o melhor traçado entre os lugares onde hoje são Vila Viçosa e Borba. Vila Viçosa acolhe o Paço Ducal onde muitos dos nossos reis viveram, esta é, em verdade, também uma Estrada Real. Vila Viçosa, Borba, Estremoz até Lisboa estão ligadas por esta estrada. Escreve Ricardo Costa: “depois vinham as placas toponímicas mais bonitas do mundo, gravadas em mármore nas paredes de Borba, e os célebres antiquários. A seguir, uma praça larga e o som dos paralelepípedos… não era especialmente bonita, mas era única. Aquela saída de Vila Viçosa, com muros baixos e oliveiras até chegar às pedreiras, sempre sem se poder acelerar muito e com aquele som dos paralelepípedos que já se escuta em poucos lugares.”

Todos os que por ali passámos, sabemos que esta estrada tem muito encanto, fascínio, é caminho entre pegadas desenhadas ao longo de séculos…  Esta estrada tem tudo para continuar viva e a viver, faz falta. O cantar, quase único dos pneus no empedrado é profundamente identitário, como o podemos dispensar, ou esquecer? Todos os calipolenses e borbenses reconhecem a sua utilidade diária. O interesse económico para o sector das rochas ornamentais, bem como para outros, designadamente para o turismo, não pode ser ignorado. Muito para além da trágica contingência geológica, porque rara, imprevisível (mesmo que agora muitos digam o contrário) e significativa, esta estrada merece ser viva e vivida; não temos o direito de privar os vindouros deste caminho, tão natural e magnífico como o mármore, e identitário porque construído de pedra, solo e clima, de cultura e memórias.

Óbvio e incontornável.

Évora, 19 de dezembro, 2018 (um mês depois)

Carlos A. Cupeto

Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora

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Adaptado de Esquire, de Matthew Buchanan