miseráveis

Sem jamais o imaginar, a experiência de sete horas de vindima noturna trouxe-me a mais verdadeira e dramática fotografia do país que somos. Acreditem que não me recordo de ter alguma vez ficado tão chocado e revoltado com o país onde nasci e vivo. No meio da madrugada de vindima, um jovem colega de tesoura na mão, a propósito de um jantar de turma/curso, comentou-me que estava sem trabalho depois de concluir um excelente (as suas palavras) curso de vídeo; vídeo? interroguei-o, pois julgava essa palavra morta e enterrada há muito. “Técnico de vídeo, aprendi TV, cinema e a fazer tudo o que tem a ver com este sector; pena que por cá não haja trabalho nesta área”, esclareceu.

Não compreendi totalmente se é “falta de trabalho ou de emprego”, mas perante a questão de fundo isto pouco importa. O dito curso não foi concluído há alguns anos mas há uns meses, foi tirado numa escola profissional dada como referente. Muito provavelmente por isto, pela “excelência” do estabelecimento de ensino, há poucos dias a abertura do ano letivo foi abrilhantada pela presença do ministro das finanças Mário Centeno, imagine-se. Questionado pelos jornalistas sobre esta opção, Mário Centeno considerou esta escola “um referencial importante” ao nível da educação profissional na região, tratando-se de um estabelecimento de ensino “em que se aproxima a escola de forma bastante clara ao mercado de trabalho, à atividade económica”. O ministro frisou que isso “é muito importante para os jovens”, que precisam de estar “atentos a essas oportunidades”. Parece anedota mas não é, é verdade e é miserável.

Em Portugal, salvo honrosas excepções, como sempre, as escolas oferecem competências profissionais completamente desajustadas do país real – afinal, para quê cursos relacionados com o campo, floresta, extensão rural, água, recursos endógenos, vitivinicultura, etc.?… Muito triste e preocupante, fiquei mesmo com a certeza que somos um país condenado que jamais vai deixar de ser pobre e dependente de terceiros e de conjunturas internacionais, como é agora o caso do folclore do turismo. Apesar do breu da noite e da conveniente atenção aos cachos e sobretudo à tesoura, o meu estado de espírito foi de tal maneira transparente que até o rapaz sentiu necessidade de compor a coisa acrescentando que andava a estudar para fazer exames de entrada na universidade: curso de design em Lisboa. Pior opção é difícil, design em Lisboa provavelmente é o menos indicado para um jovem rural do Redondo. Bem sei que o rapaz é o menos responsável, que a família não o saberá aconselhar, mas como compreender a escola e a entidade reguladora do ministério que possibilita a oferta de cursos de vídeo?

Somos, pois, um país com muito baixa cultura, com graves confusões ideológicas que assim interessa manter para poder ser (des)governado como é.

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Adaptado de Esquire, de Matthew Buchanan