centro histórico 2

O tema dá que pensar e tal como escrevi a semana passada está na generalidade na cabeça dos nossos governantes locais e não só, como se prova ao ler jornais. A realidade entrou pelos olhos dentro, mesmo daqueles que andaram durante anos e anos a fazer o contrário – a urbanizar mal e porcamente os arrabaldes das cidades, vilas e até aldeias. Muito provavelmente, o urbanismo que temos tido é a principal causa da nossa pobreza como país. Parece excessiva esta afirmação? Basta pensarmos um pouco na educação, saneamento e infraestruturas, cultura e lazer, desporto, qualidade de vida, etc., etc., vamos chegar a esta mesma conclusão.


Esta triste realidade, cidades ao abandono rodeadas de péssimo urbanismo, não é irreversível mas levará muito, muito tempo a corrigir. Além da terapia não ser fácil, vai custar muito dinheiro e exigir determinação e persistência. Antes de tudo, são necessárias opções acertadas assentes em decisões tecnicamente adequadas, como em tudo na vida e na natureza. Isto é, a legitimidade da eleição democrática não confere o direito para qualquer autarca se decidir, muitas vezes sabe-se lá porquê, por esta ou aquela opção. O espaço, o território, tem uma alma, assenta numa estrutura biofísica e essência que lhe confere a aptidão. Tudo, mas tudo, tem um terroir (a alma do lugar): determinante para a escolha da ocupação mais adequada e isto tem de ser decidido por quem sabe.
Desde que estou na UÉv, há 30 anos, que tenho alunos de Arquitectura Paisagista (AP), muito trabalhei com AP, no ministério do ambiente, e não só, muitos projetos de arquitetos paisagistas me passaram pelas mãos, tenho amigos e colegas arquitetos e conheço bem muitas obras que saíram do lápis de AP. O perfil do arquitecto paisagista está bem acima do nível do país e o curso de Arquitectura Paisagista reúne, muito provavelmente, o melhor conjunto de competências para a correta gestão do espaço. Um edifício ou uma urbanização tem de ser bem mais que uma caixa de betão fundada no solo com um tapete de relva à volta. Afirmo isto com convicção porque os AP têm, na sua formação base, um conjunto de saberes muito invulgares no perfil da generalidade das formações. Muito para além das ciências base duma formação deste tipo, as artes, as humanidades e o ambiente (no melhor dos seus sentidos) estão bem presentes. Se planear e ocupar um território é um grande desafio; reocupar uma cidade, como se deseja, mais difícil se torna. Não é demais afirmar, que este enorme e meritório desafio de reabilitar os centros das cidades, tornando-as vivas e vividas, exige decisões acertadas desde o início que vão muito para além de gastar os milhões em recuperação urbana que os programas poderão proporcionar. Como sempre, daqui a alguns anos, o resultado que viermos a ter vai depender da qualidade do que fizermos hoje. A decisão tomada a nível local tem de ser validada a outros níveis da Administração, e tem de merecer a cumplicidade de variadíssimos agentes e atores sob pena de gastarmos o dinheiro e os resultados não só, não serem o que desejamos mas nos afastarem ainda mais, dos objetivos idealizados.
Merecemos viver cidades muito melhores e mais baratas (sem necessitar do automóvel, etc.). Recordo-me muito dos tempos, em que vivi no centro histórico de Évora e nada se compara à qualidade de vida que tive. Que assim seja, as cidades fizeram-se para as pessoas viverem, e o campo envolvente para quase tudo o resto, designadamente, para quintas e hortas. Será que queremos mesmo mudar “o quartel general de Abrantes?”

Comments are closed.

Adaptado de Esquire, de Matthew Buchanan