Vá lá saber-se porquê ontem, sábado, no sempre esperado treino de fim de semana, em Évora as pernas pesaram como chumbo. Maldita cabeça. Continuo com a mania que todo o mal está neste músculo a que se chama cérebro, para quem o tem.
Também sem saber a razão, as dolorosas passadas da manhã de Évora tiveram o efeito de decidir alterar radicalmente o plano de fim de semana. Pouco tempo depois estava na viagem solitária para Lisboa. E foi nestes quilómetros de boa música, com média quilométrica absurdamente baixa, que me lembrei da Corrida da Linha, hoje de Carcavelos até à bonita baía de Cascais.
Com um telefonema ao sempre disponível e inestimável Júlio a coisa ficou assente, sem retorno. Faltava o dorsal (o número e chip que nos possibilita correr legalmente) mas do lado de lá do fio a conversa foi a de sempre, “aparece que alguma coisa se vai arranjar”. Assim foi, um pouco mais cedo que o meu habitual lá cheguei ao local de partida. Obviamente que o Júlio já lá estava, e com ele mais alguns amigos, entre eles o António. “Não te preocupes que o Gilberto te arranja o dorsal”, foram os bons dias. Só estar ali, entre corredores de todas as semanas já vale a pena; as corridas, os tempos, as lesões…, conversa bem disposta ao nível de pescadores e caçadores. No meio da conversa alguns perguntaram, “e a atleta (Vanessa) não vem?”. “Não, hoje não, pelo menos dessa vergonha (ficar sempre atrás da Vanessa) estamos safos”, respondi. Na verdade pela mão do Gilberto (“cerveja antes das provas não, só preta”), uns 10 min antes da partida, lá apareceu o mágico número, o 1936 do Emílio. Muito agradeço ao Emílio não ter vindo correr e desejo que o meu tempo não o envergonhe.
Ouvido o tiro comecei a correr sem dar por isso, cada metro é muito conhecido e a paisagem muito familiar. Numa primeira tomada de consciência, notei que a passada fluía bem e sem dor. Coisa estranha, correr sem dor. Confesso que no dia anterior, quando ao volante do Suzuki me ocorreu a ideia de correr a Linha, o desafio se apresentou de forma estranha: “está mesmo a apetecer-me sofrer a correr”. Isso mesmo “sofrer a correr”. Quem corre sabe ao que me refiro. Sobretudo em tempos, como os meus, em que a cabeça parece um vulcão, correr uns quilómetros no limite (“correr a sofrer”) é das melhores terapias. Assim foi mais uma vez. Se mais não for é um treino para a vida.
E a corrida? A corrida correu bem, apesar do calor. Sempre que seguimos o coração, não falha, corre bem. O percurso é excelente e foi muito bom esgotar o último folgo para cortar o pórtico da meta naquele incontornável cenário. Depois, uma saborosíssima maçã, mais alguns dedos de conversa e o regresso a Carcavelos fez-se a andar com passo largo e muito boa conversa. Essencialmente com a memória no Liceu Nacional de Évora, os três alentejanos lá vieram andando com muita história e histórias, asseguradas pelo Engº Júlio, filho de professora do Liceu durante décadas.
Bem hajas corrida.
(20-09-2015)