Vila Franca, tal como Badajoz, surge forte na minha memória de infância. Depois de muita planície, da reta do Cabo e da icónica Estalagem do Gado Bravo, acabava o Alentejo. Passávamos o Tejo, sobre a grande ponte, e já cheirava a Lisboa. Na verdade, alguns quilómetros de transição há algum tempo que anunciavam a significativa mudança de ecossistema natural e cultural. Vila Franca é daquelas terras que alimentam a enorme e singular alma deste país.
Uma imensidão de cultura, tradição e vida entre duas autoestradas, a A1 e o Tejo. Um dia destes, em boa hora, fui saborear um pouco desta terra. A motivação inicial, pode parecer estranho, foi uma notícia em O MIRANTE: “oito anos depois está concluída a requalificação do rio Grande da Pipa.” Vivi grande parte deste difícil parto e o tema dos rios, sobretudo quando se trata de resolver problemas graves e crónicos, requalificando-os, é-me particularmente grato. Mal li a notícia fiquei com imensa vontade de ir ver e por isso não passaram muitos dias. Não me arrependi nada dos quilómetros que fiz, até porque a conduzir uma Harley Davidson os quilómetros são bem mais curtos. A senhora Odete Maria e os seus vizinhos podem estar descansados no que respeita a eventuais futuras cheias. A obra tem efetivamente este grande efeito e mérito: “já chega de mortes e de prejuízos devido às cheias.”
Mas antes de chegar ao rio, Vila Franca brindou-me com algo muito surpreendente. Apesar de ter conhecido relativamente bem o projeto da Fábrica do Arroz, à beira Tejo, o espanto, com o que vi, foi enorme. A agora Fábrica das Palavras, até o nome é excelente ao fazer a ligação com o passado, é um estrondoso meteorito arquitectónico de excelência em qualquer parte do mundo. Só que este magnifico monumento, ainda por cima recheado de cultura, está aqui ao nosso lado, em Vila Franca. Muito para além do seu conteúdo e das suas características funcionais transversais a vários níveis, culturais, sociais e etários, o edifício só por si merece muita admiração e assume funcionalidades inolvidáveis. Direi que Vila Franca e o Tejo, com a Fábrica das Palavras, ganharam imenso e são outros. Nada pode ficar igual quando somos presenteados com a riqueza da funcionalidade que esta magnífica biblioteca nos proporciona.
Para além de tudo o resto em Vila Franca, a sua biblioteca merece muitos quilómetros. È indispensável que os muitos turistas que se acotovelam no Chiado saibam que a poucos minutos de Lisboa, em comboio, há um edifício de visita obrigatória que nos mostra o rio e a lezíria como ninguém. Se juntarmos a isto o passeio pedonal ribeirinho de alguns quilómetros que vai até Alhandra ou, do outro lado do rio, o fabuloso Espaço de Visitação e Observação de Aves (EVOA), somos obrigados a reconhecer que vivemos num país em que vale a pena.